Outro dia desses aconteceu uma daquelas coisas inusitadas da vida. Eu precisava comprar um pote de tinta branca, para pintar um cartaz e tals. Havia me esquecido disso até me deparar voltando do almoço com outro camarada, procurando por uma papelaria, que quer que fosse. Topei com uma casa de artesanato. Eu divida veementemente que ali eu conseguiria COMPRAR tinta, mas o camarada insistiu, justificando que não custava nada tentar, e entramos. Disparei logo que entrei, já querendo sair correndo dali:
_ Vocês não tem tinta pra vender não, tem?
Negando a negação eu pergunto a afirmação, mas com todo o tom desesperançoso. Lá, num cubículo empoeirado duas senhoras envoltas em trocentas caixinhas com aspecto velho assistiam ao telejornal local. A senhora mais velha, que aparentava ser a dona do lugar, enquanto a outra era a manicure visitante, respondeu:
_Não, não temos. Já ia me distanciando sem nem dizer obrigado, como quem está com a pressa inerente a todos hoje em dia quando ela me inquire:
_Pra que você quer tinta?
_Para fazer um cartaz em papel Kraft... Respondo eu, para ouvir da senhora:
_ Que tipo de tinta?
_ Pode ser guache mesmo, acrílica...
_Pra pintar em papel?
_Papel.
_Que cor?
_Tinta branca.
_Quanto?
_Um pote de uns trezentos ême-éles, respondi, fazendo menção ao tamanho do pote com os dedos da mão direita, enquanto a senhora se levantava e ia aos fundos do cubículo, que no final não era tão cubicular assim.
Olhei para o camarada que fez cara de "whatahell", enquanto a manicura virava pra nós e perguntava se tínhamos visto na tevê a tal estudante que comemorava sua aprovação no vestibular e foi atingida por uma bala perdida ou coisa que o valha. Eu não estava prestando atenção. Felizmente o camarada deu a atenção mínima necessária a coitada.
Voltou a dona do lugar, com uma enorme embalagem de amaciante, dizendo:
_ O problema é achar um pote agora! Achou o pote debaixo de uma mesa qualquer, um vidro desses cafés instantâneos, tipo NESCAFÉ e começou a despejar a tinta, branca, aos tantos. Perguntou de novo:
_ Quanto você precisa? Fiz de novo o sinal universal de "um tanto assim" enquanto respondia.
_ É pra papel, não é?
_ É.
_ Então dê duas mãos de tinta, que tem um pouco de resina misturada. Tem pincel?
_ Tem, tem sim.
_ Ah, se não tivesse eu te dava o pincel também. Agradecimentos obsequiosos demais e saio feliz de lá com meio quilo de tinta, que me economizou uns bons cobres. O camarada comentava algo como "tá vendo, se você não tivesse entrado aqui, blábláblá, bluga, bluga" ou algo como "valeu a pena ter entrado ali, outros blábláblás".
Eu já começava a pensar que ter agüentado a manicure comentando sobre alguém que morreu quando obviamente eu não tinha visto a notícia que acabava de ser veiculada, sem nem pensar na coitada da vítima (que frieza, deuses), quando me indaguei a respeito do por que da senhora ter me DADO a tinta. Primeiro imaginei que ela devia estar falindo, pelo aspecto do lugar e se livrando da tinta como podia, afinal não custava nada.
Perdi-me dessa questão até lembrar que provavelmente a senhora era uma artista sem talento, apenas vontade e talvez habilidade. Que por sinal, estava repassando as técnicas aprendidas a outros tantos, tentando despertar o talento em almas perdidas. E o mais interessante, ela estava incentivando arte.
Mesmo sem grandes posses para promulgar a arte como faria Lourenço, patrono de Michelangelo, se é que é razoável essa comparação, a senhora lá ajudava a levar arte a quem precisa. Claro, eu só faria um cartaz com a tal arte, mas ela estava fazendo sua parte, o mínimo possível.
Mais uma vez pensando sobre isso, será possível que pequenos atos como esse de fato levem a algum lugar? Há uma abertura cultural na sociedade? Enfim, tomara. De qualquer maneira, você já fez algo desse naipe?
_ Vocês não tem tinta pra vender não, tem?
Negando a negação eu pergunto a afirmação, mas com todo o tom desesperançoso. Lá, num cubículo empoeirado duas senhoras envoltas em trocentas caixinhas com aspecto velho assistiam ao telejornal local. A senhora mais velha, que aparentava ser a dona do lugar, enquanto a outra era a manicure visitante, respondeu:
_Não, não temos. Já ia me distanciando sem nem dizer obrigado, como quem está com a pressa inerente a todos hoje em dia quando ela me inquire:
_Pra que você quer tinta?
_Para fazer um cartaz em papel Kraft... Respondo eu, para ouvir da senhora:
_ Que tipo de tinta?
_ Pode ser guache mesmo, acrílica...
_Pra pintar em papel?
_Papel.
_Que cor?
_Tinta branca.
_Quanto?
_Um pote de uns trezentos ême-éles, respondi, fazendo menção ao tamanho do pote com os dedos da mão direita, enquanto a senhora se levantava e ia aos fundos do cubículo, que no final não era tão cubicular assim.
Olhei para o camarada que fez cara de "whatahell", enquanto a manicura virava pra nós e perguntava se tínhamos visto na tevê a tal estudante que comemorava sua aprovação no vestibular e foi atingida por uma bala perdida ou coisa que o valha. Eu não estava prestando atenção. Felizmente o camarada deu a atenção mínima necessária a coitada.
Voltou a dona do lugar, com uma enorme embalagem de amaciante, dizendo:
_ O problema é achar um pote agora! Achou o pote debaixo de uma mesa qualquer, um vidro desses cafés instantâneos, tipo NESCAFÉ e começou a despejar a tinta, branca, aos tantos. Perguntou de novo:
_ Quanto você precisa? Fiz de novo o sinal universal de "um tanto assim" enquanto respondia.
_ É pra papel, não é?
_ É.
_ Então dê duas mãos de tinta, que tem um pouco de resina misturada. Tem pincel?
_ Tem, tem sim.
_ Ah, se não tivesse eu te dava o pincel também. Agradecimentos obsequiosos demais e saio feliz de lá com meio quilo de tinta, que me economizou uns bons cobres. O camarada comentava algo como "tá vendo, se você não tivesse entrado aqui, blábláblá, bluga, bluga" ou algo como "valeu a pena ter entrado ali, outros blábláblás".
Eu já começava a pensar que ter agüentado a manicure comentando sobre alguém que morreu quando obviamente eu não tinha visto a notícia que acabava de ser veiculada, sem nem pensar na coitada da vítima (que frieza, deuses), quando me indaguei a respeito do por que da senhora ter me DADO a tinta. Primeiro imaginei que ela devia estar falindo, pelo aspecto do lugar e se livrando da tinta como podia, afinal não custava nada.
Perdi-me dessa questão até lembrar que provavelmente a senhora era uma artista sem talento, apenas vontade e talvez habilidade. Que por sinal, estava repassando as técnicas aprendidas a outros tantos, tentando despertar o talento em almas perdidas. E o mais interessante, ela estava incentivando arte.
Mesmo sem grandes posses para promulgar a arte como faria Lourenço, patrono de Michelangelo, se é que é razoável essa comparação, a senhora lá ajudava a levar arte a quem precisa. Claro, eu só faria um cartaz com a tal arte, mas ela estava fazendo sua parte, o mínimo possível.
Mais uma vez pensando sobre isso, será possível que pequenos atos como esse de fato levem a algum lugar? Há uma abertura cultural na sociedade? Enfim, tomara. De qualquer maneira, você já fez algo desse naipe?