sexta-feira, 12 de junho de 2009

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Havia chovido. E haviam brigado.

Em seu quarto ele ouvia, já na alta madrugada, o último dropejar das telhas ao chão, enquanto apertava as teclas de seu celular a cada vez que a luz do visor se apagava, para não perder um segundo pra atender a ligação.

Aqui não faz muita diferença quem seja este sujeito, afinal todos estão suscetíveis aos males que o acometem. Inclusive o dos celulares.

Muitos pensamentos envolvendo bobagens tinham cercado sua cabeça nas últimas horas. Tudo um espelho fertilizante da vida que levava. Não que ela fosse desregrada, já que ele se justificava pensando em casos piores, aqueles das respostas de perguntas para mães sobre o que de pior poderia acontecer ao futuro de seus filhos. Enfim, o garoto estava na linha da mediocridade do descaso para consigo: acordando a altas horas do dia, tomando por café o arroz e feijão das sobras do almoço da casa, perdendo-se entre programas de televisão e pornografia barata durante o restante do tempo.

Tinha adormecido por breves instantes, até que a bendita ligou. Com voz ainda chorosa, atropelada, dizia ela que não podia dormir de jeito nenhum e que pensava em muitas coisas para dizer e que não se arrependia do já dito porque estava certa. Certíssima. Ele só dizia:

– Eu sei, eu sei... Eu entendo, eu entendo...

Isto, quando queria pedir desculpas. Mais uma vez faziam discussão (ou ela fazia) sobre como ele atraia sirigaitas de toda estirpe, especialmente as de sua vida passada. E ele, verdadeiramente se sentia culpado no ciúme doentio da garota.

Soluçando, já que o choramingo irritante agora dava lugar a berrinhos da madrugada na mais nauseante voz aguda, ela exigia providências, impaciente. Ele, franzindo a testa ao mesmo tempo em que leva a mão aos cabelos raspados, põe-se a um canto em tom lamurioso:

–Amor, amanhã de manhã logo cedo conversamos, que agora simplesmente não dá pra continuarmos essa discussão...

Secamente, ela replica:

–Tá, então se você quer assim... Vou esperar sua ligação. Vê se MELIGA! Tchau.

E desliga o telefone. Ele fica olhando por mais alguns instantes o aparelho, até que as luzes se apagam mais uma vez. Adorava aquelas luzes. Tinha trocado o painel luminoso, antes verdolengo, pelo novíssimo azul que eletrizava toda a atmosfera do quarto.

domingo, 22 de março de 2009

Dos pequenos infortúnios que acontecem na vida

Esse era pra ser um post divulgado praqueles que tivessem mil acessos no blog. Como ninguém lê nada por aqui, vou despeijar de qualquer jeito mesmo.

Manja quem seja André Midani? Pois bem, o sujeito é altamente relevante para a indústria fonográfica brasileira, quiça do mundo. E por conseguinte, para a música. Tanto que quase cogitei lançar a dica no Programa Bluga, que tem mais acessos, mas as pessoas não merecem isso.

O sujeito publicou um livro narrando algumas passagens dessa relação, intitulado 'Música , Ídolos e Poder - Do Vinil ao Download'. A faixa de preço desse monte de papéis começa nos R$27,90 e vai até os R$39,90 (Fonte: BuscaPé). Acontece que a Saraiva cometeu um deslize... Ou o sujeito é um filântropo: De R$39,90 por R$9,90. Mais frete, claro. Aqui, ó: http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/produto.dll/detalhe?pro_id=2598065&ID=C95C1EE07D903170918180645

Eu comprei um, por desencargo de consciência. Nem sei da real do texto, só soube do lançamento por conta de um post no Contraditorium, mas trombei com o material outro dia desses numa FNAC e dei uma olhadela... Parecia divertido. E, afinal, nunca tinha me acontecido uma dessas, não podia deixar passar.

Pra quem não acredita, aqui vai o Print Screen.



Vamos ver quando tempo dura isso no ar, quantos vão comprar e quem de fato lerá o livro.

Nota do editor: Durou um diazinho só.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A Mecenas?

Outro dia desses aconteceu uma daquelas coisas inusitadas da vida. Eu precisava comprar um pote de tinta branca, para pintar um cartaz e tals. Havia me esquecido disso até me deparar voltando do almoço com outro camarada, procurando por uma papelaria, que quer que fosse. Topei com uma casa de artesanato. Eu divida veementemente que ali eu conseguiria COMPRAR tinta, mas o camarada insistiu, justificando que não custava nada tentar, e entramos. Disparei logo que entrei, já querendo sair correndo dali:
_ Vocês não tem tinta pra vender não, tem?

Negando a negação eu pergunto a afirmação, mas com todo o tom desesperançoso. Lá, num cubículo empoeirado duas senhoras envoltas em trocentas caixinhas com aspecto velho assistiam ao telejornal local. A senhora mais velha, que aparentava ser a dona do lugar, enquanto a outra era a manicure visitante, respondeu:
_Não, não temos. Já ia me distanciando sem nem dizer obrigado, como quem está com a pressa inerente a todos hoje em dia quando ela me inquire:
_Pra que você quer tinta?
_Para fazer um cartaz em papel Kraft... Respondo eu, para ouvir da senhora:
_ Que tipo de tinta?
_ Pode ser guache mesmo, acrílica...
_Pra pintar em papel?
_Papel.
_Que cor?
_Tinta branca.
_Quanto?
_Um pote de uns trezentos ême-éles, respondi, fazendo menção ao tamanho do pote com os dedos da mão direita, enquanto a senhora se levantava e ia aos fundos do cubículo, que no final não era tão cubicular assim.

Olhei para o camarada que fez cara de "whatahell", enquanto a manicura virava pra nós e perguntava se tínhamos visto na tevê a tal estudante que comemorava sua aprovação no vestibular e foi atingida por uma bala perdida ou coisa que o valha. Eu não estava prestando atenção. Felizmente o camarada deu a atenção mínima necessária a coitada.

Voltou a dona do lugar, com uma enorme embalagem de amaciante, dizendo:
_ O problema é achar um pote agora! Achou o pote debaixo de uma mesa qualquer, um vidro desses cafés instantâneos, tipo NESCAFÉ e começou a despejar a tinta, branca, aos tantos. Perguntou de novo:
_ Quanto você precisa? Fiz de novo o sinal universal de "um tanto assim" enquanto respondia.
_ É pra papel, não é?
_ É.
_ Então dê duas mãos de tinta, que tem um pouco de resina misturada. Tem pincel?
_ Tem, tem sim.
_ Ah, se não tivesse eu te dava o pincel também. Agradecimentos obsequiosos demais e saio feliz de lá com meio quilo de tinta, que me economizou uns bons cobres. O camarada comentava algo como "tá vendo, se você não tivesse entrado aqui, blábláblá, bluga, bluga" ou algo como "valeu a pena ter entrado ali, outros blábláblás".

Eu já começava a pensar que ter agüentado a manicure comentando sobre alguém que morreu quando obviamente eu não tinha visto a notícia que acabava de ser veiculada, sem nem pensar na coitada da vítima (que frieza, deuses), quando me indaguei a respeito do por que da senhora ter me DADO a tinta. Primeiro imaginei que ela devia estar falindo, pelo aspecto do lugar e se livrando da tinta como podia, afinal não custava nada.

Perdi-me dessa questão até lembrar que provavelmente a senhora era uma artista sem talento, apenas vontade e talvez habilidade. Que por sinal, estava repassando as técnicas aprendidas a outros tantos, tentando despertar o talento em almas perdidas. E o mais interessante, ela estava incentivando arte.

Mesmo sem grandes posses para promulgar a arte como faria Lourenço, patrono de Michelangelo, se é que é razoável essa comparação, a senhora lá ajudava a levar arte a quem precisa. Claro, eu só faria um cartaz com a tal arte, mas ela estava fazendo sua parte, o mínimo possível.

Mais uma vez pensando sobre isso, será possível que pequenos atos como esse de fato levem a algum lugar? Há uma abertura cultural na sociedade? Enfim, tomara. De qualquer maneira, você já fez algo desse naipe?